Dona Maria de Lourdes passou uma parte da infância sendo criada pela avó dela, que se chamava Sebastiana, o mesmo nome da mãe dela. A avó já era velhinha. Ainda hoje, mora na memória de Dona Lourdes uma cena comum nos seus dias: a avó cantarolando, principalmente quando ia procurar algo no seu quarto.

Ai, Dona Lourdes fala com tanta emoção desses momentos, que quase me transporto pra lá. Dona Sebastiana, minha tataravó, começou, sem saber, uma tradição oral na família, cantava um trecho de uma canção que ecoa até hoje por aqui. Lourdinha ouvia atenta o que a avó dela cantava, era assim: “No tempo da Santa Missão, houve uma festa bonita assim, lá no começo do céu, a festa não tem mais fim”.

O curioso é que esse canto, que nasceu ali, entre gavetas abertas e redes armadas, atravessou o tempo e chegou em todo mundo da família que viria nascer de Maria de Lourdes. Eu mesma, Milena, cresci ouvindo, lembro da vó me dando banho no fim da tarde, cantando. Como pode uma memória viajar no tempo assim?

Sabia cantar desde pequena, assim como minhas primas, tios e tias. Era como se a gente tivesse nascido com aquela canção dentro da gente, mesmo sem saber de onde vinha.

Já adulta, descobri que é um canto católico chamado “Só nas Santas Missões”. Mas a versão da nossa família nunca foi exatamente igual. Com o tempo, as palavras mudaram de lugar, algumas desapareceram, outras surgiram do nada. O que ficou foi a essência. A cantiga da avó Sebastiana, passada pra agora vó Maria de Lourdes, de geração em geração, seguiu viva, mesmo com a letra um pouco diferente. E, pra nós, é essa versão que importa.

Hoje, quando alguém da família canta, é como se todas as vozes de antes cantassem juntas. Como se a avó Sebastiana ainda estivesse por ali, lembrando a gente que tem coisas que não acabam nunca, só mudam de forma, de tom, de tempo. Mas ficam.

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